Desde os tempos da escola que eu me incomodava com a teoria de gravitação de Newton – aquela que, em resumo, diz ser a gravidade uma “força” que faz com que um corpo com massa maior atraia corpos com menos massa. Sempre me perguntava: “como assim uma força?”. Talvez por terem nos ensinado sobre a Teoria de Newton – e não sobre a Teoria da Relatividade de Einstein, em que a gravidade não é uma “força”, mas sim uma deformidade do tecido do espaço-tempo do Cosmos provocado por corpos massivos – entender o conceito de gravidade não seja assim tão natural para a maioria das pessoas e, por isso, a divulgação da maior notícia científica do ano e uma das mais importantes da história da ciência não tenha ocupado mais do que alguns segundos nos jornais da TV, infelizmente.
Sobre os buracos negros, até então só tínhamos projeções feitas por computadores, baseadas em cálculos matemáticos em cima da Teoria da Relatividade de Einstein, e ainda assim apenas divulgadas no meio científico. A ideia mais próxima de um buraco negro que o público comum pôde vislumbrar foi apresentada no excelente filme “Interestellar”, de 2014, com o fictício buraco negro chamado Gargantua.
Figura 1. Imagem do buraco negro fictício Gargantua apresentado no filme Interestellar, de 2014.
O primeiro registro real de um buraco negro: Einstein acertou de novo
Saiba, então, que o dia 10 de abril de 2019 entrou para a história da Ciência, pois nessa data foi apresentada ao mundo a primeira fotografia real de um buraco negro, localizado no centro da galáxia M87 (Messier 87, também chamada de Virgo A, distante de nós a aproximadamente 60 milhões de anos-luz na direção da constelação de Virgem).
Os buracos negros – já previstos por Einstein desde o ano de 1915 em sua Teoria Geral da Relatividade – são regiões do espaço tão massivas, mas tão massivas, que nada – nada mesmo – pode escapar, nem mesmo a luz – daí a expressão “buraco negro”, pois não é possível vê-lo diretamente, já que ele não deixa sua luz escapar diante a enorme curvatura do espaço a sua volta provocada por sua gigantesca massa, formando assim uma “singularidade” delimitada por uma superfície denominada “horizonte de eventos”, que marca a fronteira na qual, uma vez penetrada, a matéria não se pode mais voltar.
Figura 2. Albert Einstein, autor da Teoria Geral da Relatividade, que apresentou uma nova abordagem sobre o que é a gravidade e propondo a existência de buracos negros. Desde 1915 ele já sabia da existência de buracos negros.
Apesar de a teoria de Einstein afirmar claramente a existência de buracos negros desde 1915, ainda não havia uma prova real ou “visível” deste fenômeno, o que levou a várias discordâncias entre cientistas ao longo dos últimos 100 anos sobre a real existência desses colossais corpos massivos pelo universo. A revelação – em foto e em cores – do buraco negro em M87 mostrou, mais uma vez, que Einstein estava certo e que a sua Teoria da Relatividade é o maior legado científico da humanidade.
Sendo negros por não emitirem luz, como podem ser detectados?
Através da interação com a matéria em sua vizinhança um buraco negro pode se tornar “detectável”, quer seja por meio da observação do movimento de estrelas em uma dada região do espaço ou mesmo pela medição de grande quantidade de radiação emitida quando a matéria proveniente de uma estrela atraída para dentro do buraco negro é aquecida a altas temperaturas no chamado “disco de acreção”, chegando a escapar até mesmo da própria galáxia através do “jato relativístico”.
Figura 3. As partes de um buraco negro. O que o torna “visível” são o disco de acreção e o jato relativístico. A singularidade – o buraco negro em si – não é visível.
Mas não pense que é assim tão fácil “visualizar” um buraco negro. Muito pelo contrário.
Para capturar a incrível imagem do buraco negro no centro da M87 foi criada uma rede internacional de radiotelescópios formando um gigantesco radiotelescópio virtual equivalente a um telescópio do tamanho do planeta Terra. Esse radiotelescópio foi chamado de Telescópio de Horizonte de Evento (EHT), numa colaboração internacional cujo apoio nos Estados Unidos inclui a National Science Foundation.
Pra você ter uma ideia, anos atrás a NASA chegou a pensar que seria necessária a construção de um telescópio muito grande no espaço para se conseguir um vislumbre da imagem de um buraco negro e mesmo assim sem garantias. Isso, por si só, dá-nos a noção de quão difícil e incrível foi mais essa façanha da genialidade humana, iniciada em 1915 com a intuição de um gênio – Einstein – e concluída em 2019 com os maiores cientistas da atualidade e da tecnologia de nosso tempo.
Figura 4. Imagem do centro da galáxia M87 obtida pelo observatório Chandra, da NASA.
Para complementar o EHT, várias naves espaciais da NASA fizeram parte do grande esforço para observar o buraco negro usando diferentes comprimentos de onda da luz. Como parte deste esforço, o Observatório de Raios-X Chandra da NASA, o Nuclear Spectroscopic Telescope Array (NuSTAR), além do telescópio do Observatório Espacial Neil Gehrels Swift, todos em sintonia com diferentes variedades de luz de raios-x, olharam para o centro da M87 ao mesmo tempo juntamente como o EHT em abril de 2017.
Figura 5. A galáxia M87 e o registro de um jato relativístico a partir de seu centro feito pelo telescópio espacial Hubble.
Dois anos de captura de dados e uma imagem histórica
Não pense você que toda essa estrutura de telescópios em terra e no espaço foi usada apenas para gerar uma foto JPG do buraco negro. Longe disso, os telescópios e radiotelescópios registraram informações, dos mais variados tipos, que foram guardadas em poderosos computadores com enorme capacidade de armazenamento. Para ser mais preciso, todas as informações coletadas pelo telescópio virtual do EHT foram somadas em mais de 8 petabytes de dados. Acredite, isso é muita informação!
8 petabytes equivalem a 8.000 terabytes, ou seja, 8 mil discos rígidos desses que atualmente são usados em computadores pessoais para armazenamento de dados.
Como a Internet não possui a capacidade para a transferência tão grande de dados de um lado para o outro entre os observatórios participantes do EHT espalhados pelo planeta, os mesmos precisaram ser transportados em seus discos rígidos periodicamente entre um continente e outro — processo que, obviamente, não foi nada rápido, além de exigir toda uma logística de segurança no transporte intercontinental.
Figura 6. Katie Bouman – engenheira do MIT responsável pela criação do algoritmo que levou à geração final da imagem a partir dos 8 petabytes de dados – e parte dos discos rígidos contendo informações sobre o buraco negro obtidas ao longo de 2 anos.
Depois de juntados os discos rígidos, a reunião, comparação, gerenciamento e análise da enorme quantidade de informação foi possível graças a um algoritmo desenvolvido por uma equipe encabeçada por Katie Bouman, engenheira do MIT responsável pela criação do sistema capaz de contabilizar todo o volume de dados obtido pelos telescópios, formando a imagem final.
Figura 7. A primeira imagem real de um buraco negro, localizado no centro da galáxia M87.
Um buraco negro em nosso quintal cósmico
De acordo com a Teoria de Einstein, buracos negros são comuns no universo. Provavelmente a maior parte das galáxias elípticas e espirais possui no seu centro um buraco negro supermassivo em seu centro. Os buracos negros supermassivos possuem uma massa muito superior aos buracos negros estelares, na ordem dos milhões ou mesmo bilhões de massas solares. Acredita-se que este tipo de buraco negro muito massivo tenha surgido quando o Universo era ainda bem jovem.
Em um artigo publicado em 31 de outubro de 2018 foi anunciada a descoberta de evidências conclusivas de que Sagitário A*, uma fonte de ondas de rádio bastante intensa e situada no centro de nossa galáxia, a Via Lactea, é um buraco negro. Isso mesmo! Temos um buraco negro na nossa vizinhança, distante a apenas 26 mil anos-luz e com aproximadamente 2 milhões de massas solares.
Espera-se, a partir de agora, com a comprovação da existência dos buracos negros além da teoria, que as técnicas usadas para o registro visual seja avançada, tornando-se mais comum o estudo e compreensão desses gigantes massivos. Aguardemos, então, o próximo buraco negro a se revelar em foto. Torço para que seja o Sagitário A*.