Revelações Polarizadas de Sagitário A*

A astronomia é uma janela para o universo, um convite para desvendar os mistérios que se escondem nas profundezas do cosmos. Recentemente, a comunidade científica foi presenteada com uma descoberta que redefine nossa compreensão dos buracos negros, esses enigmáticos devoradores de luz. O protagonista desta história é o Sagitário A* (Sgr A*), o buraco negro supermassivo que reside no coração da Via Láctea.

A colaboração Event Horizon Telescope (EHT), um projeto que une cientistas de diversas partes do globo, capturou uma imagem sem precedentes de Sgr A* em luz polarizada, revelando a complexidade dos campos magnéticos que dançam em espiral em sua borda. Esta visão polarizada é uma estreia para Sgr A*, oferecendo uma nova perspectiva sobre a estrutura magnética que envolve a sombra do buraco negro.

A incrível e mais recente imagem do Sgr A*, capturada em luz polarizada.

A luz polarizada, invisível aos olhos humanos, é uma ferramenta poderosa para os astrônomos. Ela permite que eles estudem as propriedades do gás e os mecanismos que ocorrem quando um buraco negro atrai matéria para si. Através desta técnica, os cientistas conseguiram detectar campos magnéticos fortes e organizados que se estendem em espiral a partir da borda de Sgr A, um fenômeno que também foi observado no buraco negro M87, localizado no centro da galáxia M87.

A semelhança entre as estruturas magnéticas de Sgr A* e M87* sugere que campos magnéticos intensos podem ser uma característica comum entre todos os buracos negros. Além disso, a nova imagem de Sgr A* fornece indícios de um jato oculto, uma possibilidade que os astrônomos estão ansiosos para explorar mais a fundo.

Gigantesco: o diâmetro do Sgr A* equivale do diâmetro da órbita do planeta Mercúrio em torno do Sol (o pontinho branco no centro da imagem).

Os resultados publicados no The Astrophysical Journal Letters não apenas ampliam nosso conhecimento sobre Sgr A*, mas também abrem portas para novas perguntas. Como os campos magnéticos influenciam a dinâmica dos buracos negros? Qual é o papel desses campos na formação de jatos de matéria? E, talvez o mais intrigante, o que mais está escondido nas sombras desses gigantes cósmicos?

Aspecto das antenas com 6 metros de diâmetro do EHT, no Hawaii.

A dança dos campos magnéticos em torno de Sgr A* é um lembrete de que ainda há muito a ser descoberto. Cada nova imagem e dado coletado nos aproxima de respostas para algumas das perguntas mais fundamentais sobre o universo. E enquanto os astrônomos continuam a observar e a teorizar, nós podemos apenas maravilhar-nos com a complexidade e a beleza do ballet cósmico que se desenrola diante de nós, mesmo que seja através dos olhos da ciência.

Os Buracos Negros são reais: Einstein acertou de novo

Desde os tempos da escola que eu me incomodava com a teoria de gravitação de Newton – aquela que, em resumo, diz ser a gravidade uma “força” que faz com que um corpo com massa maior atraia corpos com menos massa.

Sempre me perguntava: “como assim uma força?”. Talvez por terem nos ensinado sobre a Teoria de Newton – e não sobre a Teoria da Relatividade de Einstein, em que a gravidade não é uma “força”, mas sim uma deformidade do tecido do espaço-tempo do Cosmos provocado por corpos massivos – entender o conceito de gravidade não seja assim tão natural para a maioria das pessoas e, por isso, a divulgação da maior notícia científica do ano e uma das mais importantes da história da ciência não tenha ocupado mais do que alguns segundos nos jornais da TV, infelizmente.

Sobre os buracos negros, até então só tínhamos projeções feitas por computadores, baseadas em cálculos matemáticos em cima da Teoria da Relatividade de Einstein, e ainda assim apenas divulgadas no meio científico.

A ideia mais próxima de um buraco negro que o público comum pôde vislumbrar foi apresentada no excelente filme “Interestellar”, de 2014, com o fictício buraco negro chamado Gargantua.

INTERSTELLAR
Figura 1. Imagem do buraco negro fictício Gargantua apresentado no filme Interestellar, de 2014.

O primeiro registro real de um burado negro: Einstein acertou de novo

Saiba, então, que o dia 10 de abril de 2019 entrou para a história da Ciência, pois nessa data foi apresentada ao mundo a primeira fotografia real de um buraco negro, localizado no centro da galáxia M87 (Messier 87, também chamada de Virgo A, distante de nós a aproximadamente 60 milhões de anos-luz na direção da constelação de Virgem).

Os buracos negros – já previstos por Einstein desde o ano de 1915 em sua Teoria Geral da Relatividade – são regiões do espaço tão massivas, mas tão massivas, que nada – nada mesmo – pode escapar, nem mesmo a luz – daí a expressão “buraco negro”, pois não é possível vê-lo diretamente, já que ele não deixa sua luz escapar diante a enorme curvatura do espaço a sua volta provocada por sua gigantesca massa, formando assim uma “singularidade” delimitada por uma superfície denominada “horizonte de eventos”, que marca a fronteira na qual, uma vez penetrada, a matéria não se pode mais voltar.

albert_einstein_1941
Figura 2. Albert Einstein, autor da Teoria Geral da Relatividade, que apresentou uma nova abordagem sobre o que é a gravidade e propondo a existência de buracos negros. Desde 1915 ele já sabia da existência de buracos negros.

Apesar de a teoria de Einstein afirmar claramente a existência de buracos negros desde 1915, ainda não havia uma prova real ou “visível” deste fenômeno, o que levou a várias discordâncias entre cientistas ao longo dos últimos 100 anos sobre a real existência desses colossais corpos massivos pelo universo. 

A revelação – em foto e em cores – do buraco negro em M87 mostrou, mais uma vez, que Einstein estava certo e que a sua Teoria da Relatividade é o maior legado científico da humanidade.

Sendo negros, por não emitirem luz, como podem ser detectados?

Através da interação com a matéria em sua vizinhança um buraco negro pode se tornar “detectável”, quer seja por meio da observação do movimento de estrelas em uma dada região do espaço ou mesmo pela medição de grande quantidade de radiação emitida quando a matéria proveniente de uma estrela atraída para dentro do buraco negro é aquecida a altas temperaturas no chamado “disco de acreção”, chegando a escapar até mesmo da própria galáxia através do “jato relativístico”.

blackhole_sections_br
Figura 3. As partes de um buraco negro. O que o torna “visível” são o disco de acreção e o jato relativístico. A singularidade – o buraco negro em si – não é visível.

Mas não pense que é assim tão fácil “visualizar” um buraco negro. Muito pelo contrário.

Para capturar a incrível imagem do buraco negro no centro da M87 foi criada uma rede internacional de radiotelescópios formando um gigantesco radiotelescópio virtual equivalente a um telescópio do tamanho do planeta Terra. Esse radiotelescópio foi chamado de Telescópio de Horizonte de Evento (EHT), numa colaboração internacional cujo apoio nos Estados Unidos inclui a National Science Foundation.

Pra você ter uma ideia, anos atrás a NASA chegou a pensar que seria necessária a construção de um telescópio muito grande no espaço para se conseguir um vislumbre da imagem de um buraco negro e mesmo assim sem garantias.  Isso, por si só, dá-nos a noção de quão difícil e incrível foi mais essa façanha da genialidade humana, iniciada em 1915 com a intuição de um gênio – Einstein – e concluída em 2019 com os maiores cientistas da atualidade e da tecnologia de nosso tempo.

black_hole_xray_layout
Figura 4. Imagem do centro da galáxia M87 obtida pelo observatório Chandra, da NASA.

Para complementar o EHT, várias naves espaciais da NASA fizeram parte do grande esforço para observar o buraco negro usando diferentes comprimentos de onda da luz. Como parte deste esforço, o Observatório de Raios-X Chandra da NASA, o Nuclear Spectroscopic Telescope Array (NuSTAR), além do telescópio do Observatório Espacial Neil Gehrels Swift, todos em sintonia com diferentes variedades de luz de raios-x, olharam para o centro da M87 ao mesmo tempo juntamente como o EHT em abril de 2017.

m87_hubble_image
Figura 5. A galáxia M87 e o registro de um jato relativístico a partir de seu centro feito pelo telescópio espacial Hubble.

Dois anos de captura de dados e uma imagem histórica

Não pense você que toda essa estrutura de telescópios em terra e no espaço foi usada apenas para gerar uma foto JPG do buraco negro. Longe disso, os telescópios e radiotelescópios registraram informações, dos mais variados tipos, que foram guardadas em poderosos computadores com enorme capacidade de armazenamento.  Para ser mais preciso, todas as informações coletadas pelo telescópio virtual do EHT foram somadas em mais de 8 petabytes de dados.  Acredite, isso é muita informação!

Como a Internet não possui a capacidade para a transferência tão grande de dados de um lado para o outro entre os observatórios participantes do EHT espalhados pelo planeta, os mesmos precisaram ser transportados em seus discos rígidos periodicamente entre um continente e outro — processo que, obviamente, não foi nada rápido, além de exigir toda uma logística de segurança no transporte intercontinental.

katie_bouman_hds_blackhole
Figura 6. Katie Bouman – engenheira do MIT responsável pela criação do algoritmo que levou à geração final da imagem a partir dos 8 petabytes de dados – e parte dos discos rígidos contendo informações sobre o buraco negro obtidas ao longo de 2 anos.

Depois de juntados os discos rígidos, a reunião, comparação, gerenciamento e análise da enorme quantidade de informação foi possível graças a um algoritmo desenvolvido por uma equipe encabeçada por Katie Bouman, engenheira do MIT responsável pela criação do sistema capaz de contabilizar todo o volume de dados obtido pelos telescópios, formando a imagem final.

blackhole
Figura 7. A primeira imagem real de um buraco negro, localizado no centro da galáxia M87.

Um burado negro em nosso quintal cósmico

De acordo com a Teoria de Einstein, buracos negros são comuns no universo. Provavelmente a maior parte das galáxias elípticas e espirais possui no seu centro um buraco negro supermassivo em seu centro. Os buracos negros supermassivos possuem uma massa muito superior aos buracos negros estelares, na ordem dos milhões ou mesmo bilhões de massas solares. Acredita-se que este tipo de buraco negro muito massivo tenha surgido quando o Universo era ainda bem jovem.

Em um artigo publicado em 31 de outubro de 2018 foi anunciada a descoberta de evidências conclusivas de que Sagitário A*, uma fonte de ondas de rádio bastante intensa e situada no centro de nossa galáxia, a Via Lactea,  é um buraco negro. Isso mesmo! Temos um buraco negro na nossa vizinhança, distante a apenas 26 mil anos-luz e com aproximadamente 2 milhões de massas solares.

Espera-se, a partir de agora, com a comprovação da existência dos buracos negros além da teoria, que as técnicas usadas para o registro visual seja avançada, tornando-se mais comum o estudo e compreensão desses gigantes massivos. 

Aguardemos, então, o próximo buraco negro a se revelar em foto. Torço para que seja o Sagitário A*.

O absolutismo da ciência e o sensacionalismo da imprensa

“Físico recua e nega existir buraco negro”, afirma a manchete um tanto “sensacionalista” de um importante meio de comunicação em sua seção sobre ciência, publicada em 29/01/2014.  Isso, logicamente, chamou a minha atenção para uma leitura aprofundada sobre o assunto, que muito me fascina há anos.

A matéria aborda uma recente publicação online de um artigo do famoso físico Stephen Hawking, da Universidade de Cambridge, onde o mesmo revisa sua teoria sobre o ‘horizonte de eventos’, que é uma espécie de fronteira próxima a região de buracos negros onde, uma vez atingido, nada escaparia de ser “engolido” pelo buraco negro; nem mesmo a luz!

Só pra entendermos, antes de continuar, um buraco negro é uma região do espaço da qual nada, nem mesmo objetos que se movam na velocidade da luz – e nem mesmo a própria luz (daí o nome buraco negro), podem escapar.  Este é o resultado da deformação do espaço-tempo, causada após o colapso gravitacional de uma estrela milhares de vezes maior que o nosso Sol ou por uma matéria astronomicamente maciça e, ao mesmo tempo, infinitamente compacta e que, logo depois, desaparecerá dando lugar ao que a Física chama de ‘Singularidade’, o coração de um buraco negro, onde o tempo para e o espaço deixa de existir. Smiley piscando

Continuando…

Na verdade o famoso físico, em seu recente artigo científico, tenta apenas pôr um ponto final numa discussão que se arrasta há décadas na comunidade científica e que tem se tornado o maior desafio científico da Física: unificar a Teoria da Relatividade (que explica o mundo extraordinariamente grande) com a Mecânica Quântica (que explica o mundo extraordinariamente pequeno).  Ou seja, o cientista está revisando sua teoria, muito provavelmente baseado em novos dados e novas evidências, pra não dizer também em novas intuições, pois o mesmo é um físico teórico.

Pela Teoria da Relatividade, por exemplo, um astronauta que tivesse o azar de cruzar o ‘horizonte de eventos’ seria puxado como um espaguete para dentro do buraco negro, emitindo, para o lado de fora do ‘horizonte de eventos’ apenas partículas que escapariam como forma de radiação; radiação essa teorizada por Hawking no passado e que ficou conhecida como radiação Hawking. Essa radiação evaporaria lentamente até desaparecer.

Na época da teoria do buraco negro e do horizonte de eventos a inserção do elemento ‘radiação Hawking’ era necessária para poder encaixar a teoria dentro da segunda lei da Termodinâmica, que prevê que a entropia (desordem) de um sistema nunca pode diminuir, ou seja, se o buraco negro engolisse algo sem devolver nada, a entropia do Universo como um todo estaria comprometida e a conta não fecharia.

Logicamente, à época da teoria do buraco negro, horizonte de eventos e radiação Hawking, a comunidade científica ficou dividida (como acontece até hoje), com um grupo de cientistas apoiando a ideia enquanto outro grupo divergia da mesma, até mesmo apresentando questionamentos a respeito do resultado de uma possível radiação Hawking na forma como a mesma fora teorizada.

Assim contra-argumentou, na época, o físico Joseph Polchinski, do Instituto Kavli, defendendo que – pela Teoria da Relatividade – o mesmo astronauta que atravessasse o horizonte de eventos seria puxado para dentro do buraco como um espaguete, mas que – pela Mecânica Quântica – a radiação Hawking não se dissiparia simplesmente, mas sim formaria uma espécie de muralha de fogo no entorno do horizonte de eventos e, desta forma, o astronauta seria queimado, e não puxado para dentro do buraco.

E agora? Ou uma coisa ou outra! Smiley confuso 

Entra novamente na discussão a necessidade da ciência encontrar a forma de as duas teorias conversarem, o que seria o Santo Graal da ciência, ou o que ficou mais popularmente conhecida como a ‘Teoria de Tudo’, do inglês ‘Theory of Everything’, que buscaria unificar, conectar e explicar numa única estrutura teórica os fenômenos físicos, com um único tratamento lógico e matemático.  Mas isso é assunto pra uma outra oportunidade. Smiley nerd

Voltando… na nova teoria proposta por Hawking em artigo no site ArXiv, o mesmo tenta apenas mudar elementos de sua compreensão inicial a respeito de buracos negros, no caso o horizonte de eventos que deixa de existir, sendo substituído por um ‘horizonte aparente’, que seria uma espécie de superfície que pode capturar a luz, mas também pode mudar de forma por conta de flutuações quânticas, possibilitando que ela escape. Pronto, explicado!

Agora Hawking defende que a ausência de um horizonte de eventos significa que não existem buracos negros no sentido de antes, ou seja, sistemas dos quais nem a luz conseguiria escapar.  O buraco continua lá, mudou-se apenas a definição.

Explica melhor o físico: “Não há escapatória para um buraco negro na teoria clássica”. Entretanto, a Mecânica Quântica “permite que energia e informação escapem de um buraco negro”. Para resolver definitivamente o problema, só unificando as teorias e isto é um problemão que intriga os cientistas há quase um século.

Pra finalizar Hawking reconhece que, assim sendo, “a explicação correta permanece um mistério!”.

A conclusão que tiro do artigo científico e do artigo jornalístico é que a ciência tá longe, muito longe, de saber e poder explicar tudo que pensa que sabe. Estamos apenas engatinhando no conhecimento sobre o nosso universo macroscópico e microscópico e cada nova descoberta revela um mundo de novidades “extraordinárias” ao nosso tempo, desmascarando um tanto de afirmações que no passado eram tidas como verdades absolutas e imutáveis. Assim é a ciência e a sua limitação no ‘horizonte de eventos’ que é capacidade da mente humana.

Por outro lado está a imprensa e os meios de comunicação que sempre buscam o lado sensacionalista da informação, gerando na verdade uma desinformação para um público geralmente desprovido de conhecimento sobre diversos assuntos, em especial os que dizem respeito às ciências como Matemática e Física, pois o que realmente parece importar é vender a ideia que se deseja, defendida pelo próprio órgão de comunicação como um todo ou por um de seus respeitados profissionais da informação. 

Tenhamos cuidado. Sejamos mais analíticos, pois, como vemos, um buraco negro não pode deixar de existir de uma hora pra outra, né? Smiley sarcástico